A ética no universo corporativo, segundo especialista Márcia Gonçalves de Souza
O interesse da jornalista pela ética nos negócios nasceu no início da década de 1990, antes dos cursos de Pós-Graduação em Gerência de Marketing pela ESPM e do MBA em Gestão Empresarial pela Universidade Católica de Salvador.
A atenção ao assunto se intensificou após observar o desapego das empresas a valores éticos e morais em busca de melhores resultados.
Os aspectos dessa despreocupação por parte das instituições é discutida por Márcia em seu livro “Ética no Ambiente de Trabalho – Uma abordagem franca sobre a conduta ética dos colaboradores”, da Editora Campus.
A seguir, a profissional esclarece indagações e compartilha conhecimentos sobre a ética no mundo dos negócios. Confira!
O que torna uma empresa ética?
Uma empresa ética precisa estar atenta à forma como seus colaboradores realizam negócios, se comportam dentro do ambiente de trabalho, se relacionam com clientes, fornecedores e com os demais colegas.
É muito comum vermos empresas proporcionando cursos de liderança aos seus gestores. Entretanto, não é comum vermos empresas preocupadas em conferir se a aplicação desses ensinamentos está acontecendo. Ainda hoje é muito comum vermos casos de gestores que praticam assédio moral, sexual ou são conhecidos por sua tirania, egoísmo, crueldade, arrogância ou outras características igualmente más que os fazem ser odiados ou temidos por suas equipes. Chefes que são verdadeiras chagas geradoras de tensão e desmotivação conseguem ser valorizados e elogiados pelos principais gestores. Não importa o estresse que eles causam para obter resultados, alcançar metas ou entregar projetos.
Empresas mais comprometidas com a ética criaram canais de denúncia e normas internas destinadas a inibir esse tipo de conduta, entretanto esses mecanismos só serão realmente úteis se houver também critérios que ajudem a acompanhar e a avaliar ocorrências de forma consistente, alimentando cadastro com o histórico dos profissionais envolvidos nesses tipos de denúncia.
Ações sociais e de preservação ao meio ambiente podem ser consideradas iniciativas éticas por parte das empresas?
Com certeza! Muitos filósofos definem ética como o que é certo, ou o que é bom para a maioria. Então, ações sociais e de preservação ambiental são iniciativas éticas. Pena que tantas empresas se deem por satisfeitas em investir uma pequena parte de seus ativos em ações de caráter ético não por estarem realmente preocupadas com suas comunidades ou com seu público, mas sim interessadas em promover a imagem de “empresa preocupada com a ética”.
Que tipos de conduta precisam ser praticadas para promover o clima ético no ambiente profissional?
É importante destacar que, por mais que uma pessoa deseje adotar uma conduta ética, ela dificilmente será unanimemente reconhecida como sendo uma pessoa eticamente correta. Isso porque o que é certo para uns não atende aos interesses de outros.
Entretanto, quando uma pessoa procura se comportar respeitando os valores éticos como justiça, respeito ao próximo, honestidade e humildade, ao longo do tempo ela constrói uma boa reputação e conquista a credibilidade junto a sua equipe ou comunidade.
Com base nesse princípio, ou seja, o de que nunca será possível agradar a todos, o clima ético dentro das empresas é favorecido quando existe transparência.
É importante que todos tenham acesso a conhecer os motivos dessa ou daquela decisão. É importante ter a coragem de inibir atitudes claramente descoladas de valores éticos. Gestores de “mau gênio” precisam saber que estão comprometendo o ambiente de trabalho e que também estão sujeitos a sofrer prejuízos em suas carreiras se não buscarem melhorar seu comportamento. Gestores precisam aprender e aceitar que liderar não traz apenas bônus, mas também o ônus de decidir, educar, servir de exemplo, dar feedback e aplicar sanções quando necessário.
Investir em ética nas corporações é, de alguma forma, investir no marketing da empresa?
A questão aqui é simples: é preferível fazer negócio com uma empresa reconhecida por ser comprometida com a ética ou com uma empresa que responde a centenas de ações de clientes insatisfeitos ou trabalhistas?
Uma empresa com colaboradores e representantes satisfeitos, que têm orgulho de fazer parte de seus quadros, reconhecida pela qualidade de seus produtos, de seu atendimento na venda e no pós-venda, é uma empresa que criou algo que deveria ser o sonho de todas as empresas, o marketing espontâneo, a valiosa propaganda boca-a-boca.
Empresas que aplicam a ética em suas atividades possuem vantagens competitivas com relação a outras organizações?
Difícil dar uma resposta taxativa a essa questão. Empresas que atuam descoladas da ética certamente farão negócios mais lucrativos. São empresas focadas no aqui e agora, despreocupadas com a manutenção do cliente ou do fornecedor. Assim, é provável que façam negócios muito mais rentáveis, mas com clientes que não retornarão para novos negócios.
Empresas éticas são mais sustentáveis porque tendem a conquistar a confiança e a preferência de seus clientes, fazendo com que eles retornem e optem por seus produtos.
Da mesma forma, empresas éticas costumam atrair o interesse dos profissionais mais talentosos porque oferecem um ambiente de trabalho mais saudável e benefícios mais atraentes.
Quem determina a qualidade de uma empresa são as pessoas que decidem e agem em seu nome, assim, uma empresa que atrai profissionais mais qualificados tem uma evidente vantagem competitiva.
Em um artigo para a página ‘Ética Empresarial’, você afirma que faltam investimentos em ética junto aos colaboradores. Poderia explicar a importância de expandir o conceito ético a todo o corpo de profissionais?
A conduta ética dos colaboradores é fundamental na condução das decisões que definem o desempenho empresarial. Ao contrário do que alguns pensam, ética pode sim ser ensinada. Se um indivíduo não teve a sorte de ser corretamente orientado pela família a respeito do que é certo ou errado, a escola pode e deveria contribuir para melhorar a formação ética de seus alunos.
Então, cabe a empresa investir na educação de seus colaboradores, já que a atitude de seus funcionários pode fazer toda a diferença na sustentabilidade dessa instituição ao longo do tempo. Se existem investimentos no ensino técnico, porque não ensinar também o que se espera da conduta de cada novo colaborador?
Alguém precisa ensinar que desperdiçar recursos da empresa é errado, que fomentar a maledicência para prejudicar um colega não vai contribuir para sua promoção ou não vai manter a verdade escondida por muito tempo. Alguém precisa ensinar que um profissional vai demonstrar sua competência com o tempo e que não é preciso se apoiar na cabeça dos outros para subir.
E, fundamentalmente, é muito importante valorizar o trabalho da equipe, já que ninguém pode fazer tudo sozinho o tempo todo.
No livro “Ética no Ambiente de Trabalho – Uma abordagem franca sobre a conduta ética dos colaboradores”, de sua autoria, alguns comportamentos aceitos como normais no mundo empresarial são questionados. Poderia citar algum exemplo e mencionar que tipos de consequência as condutas antiéticas podem trazem para as empresas e seus colaboradores?
Talvez o mais comum seja a valorização extrema do resultado sem que seja observado o “como” esse resultado foi alcançado. Não me refiro apenas ao cumprimento de metas, um bom projeto pode ter sido “inspirado” – para não dizer copiado – do trabalho de alguém que sequer teve seu nome incluído na equipe e não encontra espaço dentro da empresa para denunciar quem o prejudicou.
Gestores tiranos existem na maioria das empresas e, de uma maneira geral, demoram muito a sofrer as consequências de suas más ações. Antes disso, provocam muitas lágrimas, muita decepção, doenças físicas e mentais, desmotivação e perda de talentos.
A permanência de gestores, líderes e colaboradores antiéticos, assim como a falta de consequências que desestimulem esses hábitos, provocam muitos prejuízos para as empresas.
Lamentavelmente esses prejuízos não aparecem nos balanços porque são formados por negócios não realizados ou mal contratados, por propinas pagas, por clientes que não voltam, por talentos que vão para os concorrentes, materiais desperdiçados, preços superfaturados, concorrências fraudadas, priorização de projetos com base em interesses pessoais, entre outros.
O ambiente de uma empresa que não investe na educação ética dos seus colaboradores e que não inibe as condutas inadequadas de seus líderes propicia a formação de novos profissionais antiéticos, que vão manter comportamentos viciados, atraindo para seus quadros colaboradores capazes de qualquer coisa para defender unicamente seus próprios interesses.
Veja mais em: