19 de dezembro de 2017

Entrevista: Gisele Serafim de Carvalho, produtora de eventos

O evento passa por diversos processos muito antes de acontecer, desde produção de materiais, passando por visitas técnicas, até as atividades durante o evento em si. Ainda assim, diversos imprevistos podem acontecer, mesmo com todo planejamento envolvido.

Nessa entrevista, falaremos sobre as dificuldades da profissão com a produtora Gisele Serafim de Carvalho, sócia da produtora Up to Us Eventos, com ampla experiência em eventos das mais diversas áreas.

 

Todo evento requer muito trabalho antes, durante e após a sua realização. Como você faz para manter todas as etapas organizadas para garantir que o trabalho sairá como o planejado?

Evento pra mim é como uma peça de teatro, que segue um roteiro e depende da sinergia de muitos profissionais para que o resultado, ao vivo, saia como o esperado.

Por exemplo, se o artista esquece a fala ou se o técnico de som não solta a música no momento exato daquela cena a frustração é geral e inevitável.

É assim em eventos também, por isso o planejamento é vital para encapsular a imaginação, planejar as diversas formas de torná-la tangível, escolher e treinar os artistas/profissionais/parceiros, pois a partir do “valendo” o projeto não aceita mais replay.

Durante a pré-produção, trabalhamos com cronograma de atividades linkado visceralmente à planilha financeira. Geralmente esses arquivos começam tímidos e quando a gente menos espera está se referindo à linha 359 naturalmente. Lembrando que cada linha descreve um item ou subitem que está intrinsicamente ligado a outro e vice-versa.

Durante a operação, seguimos milimetricamente o tempos & movimentos para mantermos o controle de tudo que planejamos.

Claro que imprevistos acontecem durante o evento, mas se eles forem muitos, é um indicativo de que o planejamento da produção ou do cliente não foi adequado ou, ainda, que o evento saiu do controle e que precisa entrar no eixo o mais rápido possível, de um jeito ou de outro.

Não gosto nada quando escuto a máxima de que produtores de evento têm que viver com um extintor por perto para apagar incêndios durante o evento.

Para mim, isso é com a brigada de incêndio – que a gente nunca quer ver em ação, ou para quem não se debruçou como deveria no planejamento do evento.

 

Seu currículo engloba eventos em diferentes áreas, como marketing multinível e corporativos. Existe algum tipo de evento que é mais difícil de organizar?

O que existe é limitação de verba, o uso atual e desvirtuado da palavra “urgente”, falta de bom senso e de boa-vontade. Um desses itens pode inviabilizar projetos.

Costumo dizer que boa-vontade é a qualificação essencial de qualquer profissional de eventos. Conseguir enxergar coisas boas e consequentemente soluções bacanas no meio do caos corporativo onde está envolvido é uma virtude. E conseguir transformar essa virtude em conduta, a meu ver, torna esse profissional imbatível, em qualquer posição que ele esteja.

Vale lembrar que eventos menores ou de pouca complexidade podem fazer com que baixemos a guarda. Isso é até natural, mas é aí que mora o perigo.

Evento pode ser gigante ou pequeno tanto em área como em número de participantes ou de convidados ilustres. Não importa. Como o seu próprio significado já diz, qualquer evento tem as suas particularidades e devem ser planejadas da mesma forma.

 

Durante sua trajetória na área de eventos, você já se deparou com um imprevisto difícil de ser contornado? Como você lidou com essa situação?

Tanto na vida pessoal como na profissional, adversidades nos fazem crescer. Em eventos esse crescimento vem turbinado.

Imagine você estar com um evento quase pronto, tinindo de lindo, quando de repente, olha para o teto e vê uma luzinha correr, tão bonitinha e rápida… No primeiro segundo pensa: ah, deve ser um efeito da iluminação, no segundo segundo cai na real: gente, é uma labareda! e começa a evacuar o espaço, tirando toda gente possível, abre aquela portinha vermelha que passa desapercebida – só não em vistorias de saída-, ajuda a desenrolar as mangueiras e de repente é tirada de lá por um bombeiro, que te olha profundamente parecendo dizer: agora deixa com a gente!

Depois de quase duas horas: incêndio controlado, limpeza a todo vapor, aromatizador de ambiente misturado com cheiro de fumaça, estômago com um laço e o Corpo de Bombeiros libera o evento. O cronograma volta à linha de “abertura do evento”, com o serviço iniciado pelo canapé de salmão, agora defumado, segundo o querido dono do Buffet, que me acalmou com o seu bom humor sensacional na medida certa para aquele momento complicado.

Essa experiência foi bem recente: um palestrante motivou tanto a plateia, que os convidados começaram a jogar tudo para cima. No início eram “somente” as almofadas que atingiram o grid de equipamentos, a 7m de altura, e os projetores começaram a sair do foco. Em seguida, tudo começou a piorar. Várias perninhas de cadeiras começaram a surgir no horizonte do espaço, num movimento alucinante e preocupante nível hard. Nas cadeiras que ficaram no lugar, havia pessoas em pé. A essa altura, toda brigada já estava empenhada em tentar controlar o público, mas sem a colaboração do palestrante, que parecia estar curtindo aquele momento surreal, era uma tarefa impossível.

Foi quando eu, a produtora responsavelmente chata e extremista sobe no palco e pede para finalizar a ação, prevendo que naquele momento alguém poderia sair com um olho perfurado, um cabeça rachada ou uma perna quebrada, independentemente de termos atendimento médico ou seguro de responsabilidade civil.

Somos treinados para prevenir e gerir riscos em eventos, acima de tudo e de todos.

Mais uma história, e essa me deixa triste. Estava chegando em um pavilhão, para acompanhar uma montagem de um grande evento, quando escuto no rádio que um dos nossos carregadores tinha se machucado bastante, mas que os bombeiros estavam prestando atendimento adequado e que a ambulância já ia levá-lo para o hospital.

Estaciono o carro, respiro mais ou menos aliviada quando me deparo com o produtor do outro evento, bem nervoso, cabisbaixo e triste. Percebi que aquele dia realmente não estava nada fácil pra gente.

Um profissional da sua desmontagem tinha caído de uma estrutura e faleceu. Isso sim era um problema, isso sim destruiu o evento que tinha sido um sucesso até aquele momento e, o pior e mais importante, destruiu uma família na outra ponta.

Ele ainda tinha que receber a perícia criminal, lidar com a família e com a equipe toda, ou seja, uma barra pesadíssima para um produtor responsável de verdade.

Depois desse acidente, enxergar profissionais trabalhando em altura sem uso adequado dos EPIs me dá vertigem, literalmente, e a conduta na UP é de orientar e de contratar bombeiros mesmo em espaços em que não são obrigatórios.

 

Atualmente você é sócia da produtora Up to Us, que atende eventos em todo país. É difícil conciliar a vida de empreendedora com a correria da parte prática de uma produtora de eventos?

Muito difícil, pois, por mais que eu consiga delegar algumas funções, vivo muito focada no planejamento e na operação dos eventos – que eu amo, deixando um pouco de lado a prospecção de novos clientes e confiando nas indicações valiosas que fizeram e fazem a UP seguir bem no mercado.

 Para finalizar, qual é o conselho que você dá para quem está ingressando agora na área de produção de eventos?

 

Gostaria de dar vários, mas é somente vivendo a complexidade e pluralidade dos eventos que um bom profissional é formado. Como já falei por aqui, a premissa básica é ter boa-vontade. A outra é tratar todo mundo bem, assim como na vida em geral, pois ninguém faz um evento sozinho.

Outra característica bacana é de se colocar no lugar do convidado, em qualquer formato de evento, levando em consideração o perfil do cliente e do público, fazendo perguntas básicas como: Esse espaço de eventos é adequado? Eu gostaria de ir nesse evento ou de ganhar esse gift? Essa iluminação está boa? Um PNE passa por esse acesso? Essa cadeira é confortável? Que A&B é adequado para esse evento? Esse perfil de convidado vai gostar dessa atividade, desse show ou palestra? E assim por diante.

Dessa forma, a criação do conceito do evento e seus desdobramentos fluem mais facilmente.

Essa é para você manter sua sanidade mental: quando um cliente te perguntar se é possível algum item, responda: “vou verificar” e engate em seguida um “te confirmo se será mesmo possível”.

Noção espacial! Sim, ela é essencial para produtores de eventos.

Compre uma trena digital e saia medindo tudo que vir pela frente. Estude as plantas de espaços de eventos que estão disponíveis nos sites e analise plantas de eventos já produzidos com tudo que estiver sinalizado nela.

Plantas de estandes também são excelentes para gente valorizar o quanto de coisa bem planejada cabe em 12m², por exemplo.

Se preparando dessa forma, quando te perguntarem qual medida seria ideal para um backdrop, um lounge ou um espaço entre a ilha de buffet e as mesas dos convidados você estará mais preparado.

Você deve estar morrendo de vontade de ficar andando com o rádio HT de um lado pro outro, com aquele fone que não encaixa direito na sua orelha, um monte de fio que engancha no cordão do crachá, nos brincos e na cartucheira… Mas não se preocupe, essa vontade vai passar logo!

Você vai querer se livrar dele rapidinho quando se deitar numa cama, só por duas ou três horas – obviamente se der pra dormir, e levantar com a impressão de que dormiu dentro de um case – quando não dormir em cima dele – e fingir naturalidade quando encontrar o cliente, todo pilhado e feliz no café da manhã – isso se tiver a sorte de tomar um antes de correr para montagem ou abrir um evento.

E o mais maluco de tudo isso: você vai gostar dessa vida, então tome vitaminas, faça exercícios mesmo que “eventualmente”, use meia de compressão, tenha sempre algo comível na sua mochila e não pegue peso!

 

 

 

Veja mais em:

Tags Relacionadas

Deixe seus dados para saber mais detalhes

Surpreenda-se com a versatilidade, o dinamismo e a sofisticação que só o TEC pode proporcionar.